segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A Vovó do Surfe

Quando a carioca Fernanda Guerra começou a pegar onda, o homem não tinha ido à Lua, a música da moda era da Jovem Guarda, o ídolo das meninas era o ator francês Alain Dellon e a gíria usada entre os surfistas era putz grila. Tudo isso é passado hoje, mas o amor de Fernanda pelo esporte que começou a praticar com 11 anos, em 1960, continua o mesmo. “Adorava pegar a prancha e ir remando para o
mar, enquanto as meninas da época só queriam saber de fazer coques no cabeleireiro para irem aos bailes”, lembra
a primeira surfista brasileira.
Aos 53 anos de idade, Fernanda é mãe de Roberta, 35, e Flávia, 33, e avó de Antônia, um ano, filha de Roberta. Desde o nascimento da neta, ganhou o apelido carinhoso de “vovó do surfe”. Nada que a impeça de continuar a praticar o esporte ao lado de suas poucas e recentes parceiras. Uma delas, a campeã brasileira Andréa Lopes, 28, viajou com Fernanda em 1998 para a Costa Rica, em busca de ondas perfeitas. “Teve um dia que peguei uma onda radical de cinco pés”, vangloria-se Fernanda, referindo-se a uma onda de cerca de 15 metros de altura. As filhas nunca surfaram e criticam abertamente a mãe. “Você não acha que já passou da idade de ficar bancando a garotinha de praia?”, pergunta Roberta. “Você não acha que está coroa para ficar dando uma de surfista?”, emenda Flávia.

Fernanda nem se incomoda. Para conseguir feitos como o da onda da Costa Rica, costuma surfar diariamente, das 7h às 8h30, na Barra da Tijuca. Rotina semelhante à do tempo em que acompanhou o nascimento do esporte e viveu o momento mais romântico do surfe. Fernanda lembra que chegava do colégio e olhava pela janela do apartamento onde morava, na Praia do Arpoador, zona sul carioca. “Via o pessoal reunido com aquelas pranchas de madeira e lá ia eu”, conta ela, que fez curso para salva-vidas mirim e logo se interessou pelas ondas.

Tão logo começou a pegar onda, ela fez amizade com um grupo de 8 surfistas, todos com os cabelos longos característicos da época e as indefectíveis bermudas floridas. O pioneirismo de Fernanda não a transformava em vítima de brincadeiras machistas. “Não existia maldade. Eles me punham na prancha e eu pedia para me empurrarem no mar”, diz a surfista, que, apesar de ter 1,68m de altura, não tinha problemas com as pranchas de dois metros e 20 kg da época.

Se o fato de ser mulher não era motivo de preconceito, gostar de surfe era. Tanto que, volta e meia, Fernanda e sua turma tinham de se entender com a polícia. “Era normal rebocarem nossas pranchas”, resigna-se o também surfista e atual marido de Fernanda, o engenheiro João Cristóvão, 62 anos. A própria composição do grupo de amigos da veterana, porém, é uma prova de que pegar onda não é sinônimo de vagabundagem. Entre os pioneiros no esporte estavam o empresário Jorge Paulo Lehmann, o ator Arduíno Colassanti, irmão da escritora Marina Colassanti e Ricardo “Charuto” Dias, dono da grife de roupas Richard’s. Um pouco mais novo que eles, o carioca Ricardo Fontes de Souza, 50, o Rico, admirava os pioneiros. “Era uma tribo bem unida, companheirismo era a palavra de ordem”, lembra o surfista, hoje um bem-sucedido empresário do ramo.

Entre uma onda e outra, a turma fazia mariscadas na praia. “Eu espremia o limão e cozinhávamos em latas de margarina em cima das pedras”, conta Fernanda. A vocação para a culinária não foi desperdiçada. Hoje ela é dona de uma lanchonete que leva seu nome, na Barra, e é freqüentada
por artistas como Susana Werner e Priscila Fantin. Durante
o dia, quando não está lá, Fernanda pode ser vista com
uma de suas oito pranchas, fazendo o que mais gosta: “Enquanto eu puder andar, vou estar sempre em cima
de uma prancha”, garante

Um comentário: